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De bicicleta, em Austin, Texas

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Guadalupe Street, com faixa de rolamento e vagas de estacionamento suprimidas.

Os EUA são os terceiros maiores produtores de petróleo do mundo, depois da Rússia e da Arábia Saudita. O estado do Texas é o maior produtor dentro do país, com uma produção diária de 3,4 milhões de barris em Fevereiro de 2015.

Austin, que é capital do estado (e não Dallas, como a maioria das pessoas pensa, e nem Houston, onde estão as sedes das petrolíferas), está despontando com um grande número de paraciclos, um sistema de bicicletas públicas (na verdade, de uma ONG) para aluguel que já conta com 40 estações e uma rede cicloviária bastante desenvolvida e audaciosa, que tirou faixas de rolamento dos carros no estado do petróleo.

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Cruzamento de grandes avenidas.

Tenho frequentado a cidade desde 2007, a trabalho, quando já havia muitas bicicletas, apesar de ainda haver um infraestrutura bastante pequena. A última vez que estive lá foi em Maio de 2012. Algumas ciclorrotas já existiam e as primeiras ciclovias estavam sendo criadas. De lá para Maio de 2015 a malha cresceu bastante e o número de pessoas pedalando é assustador. Dados oficiais de 2014 apontam que a cidade de aproximadamente 1 milhão de habitantes já contava com 340 km de ciclovias, ante 200km em 2009.

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Paraciclo na Guadalupe Street.

Austin tem uma importante universidade, a University of Texas at Austin. No campus central é quase impossível encontrar um lugar livre para parar mais uma bicicleta. Os paraciclos estão sempre lotados e o trânsito de bicicletas é altíssimo. Os paraciclos do restante da cidade estão localizados em todos os quarteirões. Na região central estão dispostos a uma distância máxima de 50 metros uns dos outros, com algo em torno de 6 vagas em cada um e quase sempre 2 ou 3 bicicletas paradas. Além disto, em alguns destes paraciclos existem bombas para encher pneu e algumas chaves para reparos básicos nas bicicletas.

Nas primeiras vezes que pedalei por lá, nos locais onde não havia ciclovia, o respeito dos motoristas não era tão grande. Agora parece ter havido uma mudança de cultura. O carro que passou mais perto de mim estava a dois metros de distância. If you build it, they will come. Austin é a prova viva de que, quando se dá infraestrutura, os ciclistas aparecem. Mesmo com uma temperatura que pode chegar a 40c no Verão.

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Nueces Street.

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De bicicleta, eu vejo os muros coloridos

Um muro é uma estrutura que define uma área  […] ou fornece abrigo e segurança (Fonte: Wikipedia).

De bicicleta, eu vejo o lado de fora dos muros. Às vezes acho isso um grande privilégio.

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Mário Lago, por Kobra.

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Vila Madalena, pelo coletivo DaVila.

@renejrfernandes.

De Bicicleta, debaixo de um ônibus

Não se assuste com o título. Atropelamentos por ônibus são normais. São tantos. Só para contar alguns ciclistas e não listando os pedestres temos a Márcia Prado, em 2009, o Antonio Bertolucci, em 2011, a Juliana (Julie) Ingrid Dias, em Março de 2012, o José Vicente dos Santos, em Maio de 2012 e hoje (27 de novembro de 2012), de acordo com a assessoria de imprensa do Hospital Universitário da USP, o ciclista Nemésio Ferreira Trindade, de 45 anos, teve sua vida ceifada. Daqui alguns dias posso ser eu. Ou pode ser você. Mesmo que você seja um daqueles motoristas convictos, um dia vai atravessar a rua a pé e estará à mercê da irresponsabilidade.

A julgar pela foto publicada no UOL reproduzida acima (veja bem – não sou perito em acidentes de trânsito) o ciclista foi colhido pela frente do ônibus e teve a bicicleta toda amassada. Com capacete, sem capacete, ou com  uma armadura medieval, provavelmente o resultado não seria diferente. É um veículo de mais de 10 toneladas contra um corpo pouco protegido.

Um ônibus, nas mãos de um profissional pouco treinado, sujeito à pressão do empregador e dos usuários, que não tem perspectiva de punição pelos atos que possam ferir pessoas ou tirar vidas, torna-se uma arma e o poder público parece estar tranquilo com isto. De um lado Delegados de Polícia listam estes “acidentes” como homicídio culposo, mesmo em casos que onde o motorista nitidamente assumiu o risco de matar (que caracterizaria dolo) por circular fora da faixa exclusiva, por fazer ultrapassagens a menos de 1,5 metros (ou tirar “finas” intencionais) ou por simplesmente exceder o limite de velocidade da via, que geralmente já é acima do limite do bom senso para um veículo tão pesado. Do outro lado, a SPTrans (responsável pelos ônibus em São Paulo) também parece não entender uma morte como algo grave. De acordo com a resposta da SPTrans a um ofício da Ciclocidade e do Instituto CicloBR que questionava as medidas tomadas após o envolvimento de um motorista de ônibus que tenha resultado em morte, na pior das hipóteses, ele poderá voltar a dirigir após ser aprovado novamente no exame psicotécnico e ter feito um curso de direção defensiva. Simples assim: você atira, mata, faz um exame e um novo curso de tiro e recebe de volta seu revólver enquanto espera por um julgamento de um crime de que dá de 1 a 3 anos de detenção (Art. 121, parágrafo 3o do Código Penal), mas provavelmente será convertido em algumas cestas básicas ou algo que o valha.

Leia abaixo a resposta da SPTrans e tire suas conclusões. Depois pense em quantos dispositivos eletrônicos estão disponíveis em 2012 para controlar o comportamento dos motoristas (como GPS e limitadores de velocidade) e não são usados. Enquanto isto, alguns heróis devem hoje instalar mais uma Ghost Bike na cidade.

@renejrfernandes

 

De bicicleta ou a pé, quase sempre sou atropelado

Nos últimos dias muito tem sido falado sobre as medidas que o Secretário Municipal de Transportes de São Paulo e presidente da CET, Marcelo Branco, deve tomar para “proteger” os quem anda de bicicleta pela cidade. Em uma reunião com alguns ciclistas, Branco prometeu que a CET irá passar a fiscalizar o cumprimento do art. 169 do CTB. Este artigo versa sobre a possibilidade de multar quem “dirigir sem atenção ou sem os cuidados indispensáveis à segurança”, uma infração considerada “leve” pelo Código. Os detalhes desta reunião estão no blog Na Bike, da jornalista Sabrina Duran. Ainda segundo esta blogueira, as ações devem entrar em vigor 30 dias após a reunião, ou seja, em Maio de 2012.

Esta promessa surge depois das recentes mortes de Lauro Neri, na Av. Pirajussara, em 3 de Abril, de Juliana Dias, em Março, e de tantos outros acidentes causados pela falta de respeito do poder público ao cidadão, que enxerga em multar a forma de melhorar a convivência nas ruas.

Recentemente a mesma Secretaria Municipal de Transportes comemorou que campanha de proteção ao pedestre reduziu em 37,5% a quantidade de mortes por atropelamento na região central da capital. Nos nove meses compreendidos entre os dias 11 de maio de 2011 até o dia 31 de janeiro deste ano foram registradas 20 mortes. Já de 11 de maio de 2010 até 31 de janeiro de 2011 foram 32, segundo cálculos divulgados pela CET (Companhia de Engenharia de  Tráfego). Os números são referentes a ZMPP (Zona Máxima de Proteção ao Pedestre), que compreende sobretudo a Avenida Paulista e seu entorno.

Na segunda-feira, 16 de abril, quase fui atropelado na faixa de pedestres do cruzamento das ruas Bela Cintra e Luis Coelho, há um quarteirão da Av. Paulista. Ali há 3 faixas de rolamento. Os motoristas à esquerda e à direita da via pararam, conforme pede a campanha. O motorista que seguia pela faixa central avançou com seu carro em alta velocidade (bem acima do estabelecido para a via), sem parar na faixa.

Em toda capital a queda no número de mortes foi de 8% (passou de 464 para 427), três vezes menor do que na ZMPP. Isto mostra que as campanhas que têm multas como principal artifício só funcionam quando a autoridade fiscalizadora está presente e, mesmo assim, não é em 100% dos casos, como mostra minha “experiência”. Na Rua Bela Cintra está uma das sedes da CET e há grande probabilidade de haver um agente de trânsito por ali. Mesmo assim o motorista ignorou este risco.

A minha expectativa, pessimista, é que o mesmo aconteça com relação à fiscalização do art. 169 do CTB para as bicicletas. Acredito que, com toda a mídia gerada pela reunião dos ciclistas com o secretário Branco, vá ocorrer uma redução nos conflitos entre motoristas e ciclistas durante algum tempo, mas isto é apenas engodo para alguns incautos.

Não é sobre apenas um pilar que se faz uma política pública que vise a segurança e a humanização das ruas. Outras medidas como educação dos motoristas, medidas restritivas permanentes (traffic calming) e a construção de infra-estrutura (como ciclovias, por exemplo) estão sendo totalmente ignoradas. Espero que ainda seja possível abrir os nossos olhos.

@renejrfernandes

P.S.: Esqueci de contar um fato triste. Na última semana estava indo trabalhar de carro, quando passei ao lado de um motorista que estava estacionado em uma faixa de pedestre. Eu parei e tentei avisar a ele que ali havia uma faixa de grande fluxo. Ele respondeu de forma rude com a frase “E daí? Você é pedestre?”. Eu respondi que sim, na maior parte do tempo, e fui embora na esperança de que um dia ele perceba que ele é também pedestre.

De bicicleta, hoje foi um daqueles dias…

Hoje foi um daqueles dias em que a Helga me liga e fica questionando a razão de insistirmos em andar de bicicleta pelas ruas de São Paulo. Hoje foi um daqueles dias que todos os ciclistas urbanos ficam consternados com a violência do trânsito e vão juntos manifestar. Hoje foi um daqueles dias em que a Polícia Militar e a CET se solidarizam a você e ficam ao seu lado. Hoje foi um daqueles dias em que os meios de comunicação olham para um fato e decidem transformá-lo em notícia. Hoje foi um daqueles dias que seu pai deixa um recado pedindo para você não fazer parte das estatísticas. Isto tudo porque hoje foi mais um daqueles dias nos quais um pai, um avô, um tio, um vizinho, um amigo, um colega e um trabalhador morre pedalando em uma das vias mais importantes de São Paulo, a Avenida Sumaré.

Hoje foi o dia em que morreu o ciclista Antonio Bertolucci, um senhor de 68 anos que, segundo relatos da família, possuía mais de 15 bicicletas e pedalou durante a maior parte da sua vida. Ele morreu atropelado por um ônibus ao fazer um passeio matinal de rotina entre sua casa, uma bicicletaria, a padaria e a casa do seu filho. Apesar de não conhecer o Sr. Antonio, o que deixa indignado é saber que poderia ter sido eu, poderia ter sido a Helga, poderia ter sido qualquer um dos meus amigos que usam a bicicleta como meio de transporte ou poderia ter sido você, como aconteceu com os 49 ciclistas que foram atropelados e mortos em São Paulo em 2010 pela falta de educação e respeito às leis no trânsito e pela omissão dos governos e seus órgãos.

O Código de Trânsito Brasileiro é claro ao reconhecer a bicicleta como um veículo de transporte e estabelece obrigações aos motoristas de veículos automotores como: guardar a distância lateral de um metro e cinqüenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta (Art. 201), reduzir a velocidade ao ultrapassar um ciclista (Art. 220), ceder passagem aos pedestres e ciclistas durante a manobra de mudança de direção (Art. 38), além do estar bem explícito que os veículos maiores são responsáveis pela segurança dos veículos menores e dos pedestres. No Código e em leis estaduais e municipais há também uma série de dispositivos que obrigam o Estado a garantir a segurança viária. O Art. 24 do CTB, por exemplo, estabelece que compete aos municípios “planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas”. Oficialmente a cidade de São Paulo tem aproximadamente 80 KMs de vias adequadas ao uso de bicicleta, mas só 20 KMs funcionam para o transporte urbano. Em todos os outros milhares de quilômetros de vias em São Paulo o ciclista tem que sobreviver por seus próprios meios, enfrentando os carros, os ônibus, as motocicletas, os buracos e a falta de sinalização.

O dia terminou com um protesto. Mais de 100 ciclistas e alguns familiares do Sr. Antonio, com o apoio da PM e da CET e cobertura da imprensa, se reuniram no local do acidente para uma manifestação e a instalação de uma Ghost Bike. Foram pintadas várias bicicletas na Av. Sumaré e na alça de acesso, além da frase “DEVAGAR VIDAS”. Com isto nós esperamos chamar atenção das pessoas e das autoridades de trânsito e não termos que nunca mais colocar uma Ghost Bike nas ruas de São Paulo.

Para a Helga, para os ciclistas e para órgãos públicos de trânsito eu deixo a frase do Caio Fernando de Abreu que circulou hoje na lista da Bicicletada: “E tem o seguinte, meus senhores: não vamos enlouquecer, nem nos matar, nem desistir. Pelo contrario: vamos ficar ótimos e incomodar bastante ainda”.

Para o meu pai, fica a Nara Leão: “Podem me prender, podem me bater /
Podem até deixar-me sem comer. Que eu não mudo de opinião […] Se eu morrer amanhã, seu doutor / Estou pertinho do céu”.

Nada paga o vento no meu rosto, a rapidez na locomoção, a facilidade para “estacionar”, o baixo consumo de combustível, fazer exercício físico, conhecer pessoas, entre outras tantas outras coisas que a bicicleta proporciona. Acho que vale a pena lutar por esta causa sendo mais um nas ruas. Vou incomodar bastante ainda e, se eu morrer amanhã, doutor, estou pertinho do céu.

@renejrfernandes

Veja as reportagens: UOL http://bit.ly/irkTMT TERRA http://bit.ly/kmGsr8  G1 http://glo.bo/lbmVGL  IG http://bit.ly/kfCve8  Jornal da Globo http://glo.bo/m0xm5a.